quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A paz interior é possível? / Inner peace is possible? / ¿La paz interior es posible?

Certa vez me contaram uma interessante história. Num determinado lugar aconteceu um concurso de pintura que premiaria o quadro que melhor retratasse o tema “Paz”. Apresentaram-se muitos artistas talentosos. Um representou a paz pintando um cemitério onde nada havia que atrapalhasse a calma da paisagem. Outro pintou uma enseada onde o vento não aparecia e a água era um grande espelho refletindo o céu totalmente azul. Um terceiro pintou um gramado muito verde onde se viam aqui e ali singelas violetas. Mas nenhuma dessas pinturas, apesar de tão bonitas, ganhou o prêmio. Venceu o quadro no qual se via frondosa árvore à beira de um penhasco, sacudida por terrível tempestade. Num dos galhos mais altos e retorcidos, havia um pequeno ninho, e dentro dormiam calmamente dois pequenos passarinhos.
Jesus afirmou que seu discurso tinha como objetivo fazer com que seus ouvintes encontrassem a paz. Isso, porém, não era uma garantia de ficar livre de aflições. Ele mesmo enfrentou muita luta, chegou a sentir agonia pela proximidade de sua morte. Contudo, ele mesmo disse que foi um vencedor.
Ao contrário do que se tem dito, a paz não é necessariamente ausência de conflito. A Bíblia nos mostra que é possível experimentar a paz apesar das lutas que temos enfrentado. Muitos têm chamado isso de paz interior, um estado de equilibro, livre dos efeitos do estresse e das pressões do dia a dia. É um estado mental em que se toma consciência dos conflitos, uma vez que eles são contingentes. É o mesmo que serenidade, calma, tranquilidade. O oposto disso é ansiedade e estresse. Existe, inclusive, uma série de guias de autoajuda e de exercícios para orientar a busca desse estado de equilíbrio, fundamental para viver nos dias de hoje.
Jesus nos mostrou em seu ensino que a paz é resultado de um relacionamento profundo com Deus e que isso só é conquistado através de uma vida de identidade com ele. Afinal, ele é mencionado na Bíblia como o príncipe da paz e é ele quem tem a paz para nos dar: “Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou.” João 14.27.
A Bíblia diz que os que amam a Palavra de Deus “desfrutam paz, e nada há que os faça tropeçar.” Salmos 119.165. Ela diz também que não dá para viver em paz vivendo longe dos propósitos de Deus: “‘Não há paz alguma para os ímpios’, diz o Senhor.” Isaías 48.22. Inclusive, o sentido da palavra hebraica shalom tem a ver com a relação necessária entre Deus e o homem. Significa estar bem e inteiro para com Deus. Por isso, a palavra era usada como uma saudação, como sinal de desejo para que o outro esteja bem em tudo na vida.
Para que se tenha a paz de forma integral – ou para que a gente esteja bem – é preciso que ela seja concedida por Deus. O profeta afirma: “Tu guardarás em perfeita paz aquele cujo propósito está firme, porque em ti confia.” Isaías 26.3.
A paz que nós desejamos é a paz do Senhor. Tudo começa em Deus. É nele que encontramos sentido para a nossa existência. É isso que deseja Paulo para os cristãos: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus.” Filipenses 4.6-7.
Com essa mesma expressão, desejo muita paz para você, a paz do Senhor. Que você esteja realmente bem, com sua vida firmada nos propósitos de Deus. Um feliz 2011 de paz para você!

domingo, 26 de dezembro de 2010

Retrospectiva 2010: o ano dos pequenos começos / Retrospective 2010: the year of small beginnings / Retrospectiva 2010: el año de pequeños comienzos

Como foi o ano de 2010 para você? Para mim, foi um ano de muitos desafios, quando grandes decisões afetaram diretamente minha vida. Apesar de serem grandes, a superação dos desafios foi marcada por pequenos começos. Sei que é apenas o começo, que as sementes estão sendo plantadas, que tudo o que tem acontecido faz parte de um plano maior de Deus que não pode ser desprezado.
Um desses desafios foi o projeto de plantação de igreja na região oceânica de Niterói. Hoje já podemos falar de uma igreja em pleno funcionamento, que tem recebido o nome de Igreja Batista da Orla Oceânica. É claro que tem demandado um esforço enorme, que tem envolvido gente, que tem alcançado pessoas. Mas é só o começo. Um começo que tem valido à pena cada momento.
Uso isso como exemplo de que os grandes sonhos de Deus para a nossa vida são também assim. Creio mesmo que Deus tem grandes sonhos para nós, que envolvem pequenos começos. É preciso aprender a ser perseverante desde o começo, a ser fiel no pouco. Isso envolve saber lançar a rede, plantar a semente, fundar os alicerces. Tudo tem um começo, e é sempre pequeno.
Compartilho com você um pouco do que aconteceu. Assista ao vídeo e glorifique a Deus conosco. Ore por nós e venha nos conhecer. Tome parte dessa história. Um dia a gente vai olhar para trás e verificar que valeu a caminhada.




O ano dos pequenos começos
Enviado por Irenio. - Vídeos de amigos e familiares do mundo inteiro.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Natal: o mistério da encarnação / Christmas: the mystery of the incarnation / Navidad: el misterio de la encarnación

O grande mistério do Natal é o fato de que, em Cristo, a realidade de Deus encontra-se com a realidade do mundo. Nada se compara com a encarnação de Deus em Cristo. Talvez por isso mesmo não encontremos na Bíblia nenhuma recomendação para comemorar o nascimento de Jesus Cristo. Nenhum símbolo do Natal tem expressão se não for para remeter ao mistério desse encontro do divino com o humano, em que Deus se faz culpado e frágil, e nos reconciliou consigo.
O mistério do Natal é um convite e um chamado de Deus. Um convite para experimentar o amor que Deus tem por nós e um chamado para segui-lo. Talvez seja por isso que o Natal seja um tempo de uma sensibilidade espiritual muito grande, quando todos se dão conta de que precisam fazer alguma coisa para serem mais amáveis e solidários, para ser gente com mais dignidade.
Como um convite de amor, Deus escolhe proporcionar a seu Filho nascer entre os homens, viver a nossa vida, sentir a nossa dor, olhar nos nossos olhos e morrer a nossa morte. Para isso, Jesus nasceu como um sem-teto e morreu como um marginal. O significado disso é que, em meio às nossas exclusões, Jesus viveu da melhor maneira e se tornou o maior mestre de espiritualidade que a humanidade já conheceu. Deus mesmo, em Cristo, trilha a humilhante via da reconciliação do mundo consigo. Deus se fez humano, por amor ao humano e é em Jesus Cristo que aprendemos o sentido pleno do que é humanidade.
Como um chamado para segui-lo, Jesus aponta o caminho para a vida feliz e de realização pessoal, não só através dos seus ensinos, mas também pelo modo como viveu. O convite para segui-lo vai além da caminhada, significa tomar a forma de Cristo, ser um com ele. Ter a forma de Cristo significa ser humano de fato. Isso não quer dizer que o humano vira Deus, mas que Deus toma forma no humano para que este se apresente perante Deus como humano, sem as nossas máscaras, humanizado com o caráter de Cristo.
Natal é isso: encontro entre o divino e o humano. Mesmo a manjedoura é muito pouco para lembrar o significado do Natal. No tempo de Jesus não havia guirlandas, presépios, sinos, pinheirinhos , bolas, duendes ou papai noel. Essas coisas são nossas, nosso modo de nos relacionar uns com os outros. É legal trocar presentes, ter um tempo em família e com os amigos para compartilhar um banquete especial, ir à igreja para ouvir a antiga história que todo mundo já sabe quase que de cor. Mas Natal será de fato Natal se for transformado num tempo de encontro com Deus, de nos colocarmos diante dele do jeito que somos e tomarmos a decisão de assumirmos para nós o caráter daquele que é expressão do seu amor por nós.
Sendo assim, um Feliz Natal para você e para toda a humanidade.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Leitura da Bíblia e Espiritualidade / Reading the Bible and Spirituality / Leer la Biblia y la espiritualidad

O estudo e a leitura da Bíblia devem ser considerados como desencadeadores de uma espiritualidade que possa fazer sentido para hoje. A tradição protestante já se deu conta disso há mais tempo. Porém, apesar dos 500 anos de evangelização católica na América Latina, um esforço de popularização da leitura da Bíblia só aconteceu com o estímulo do Concílio Vaticano II, a partir da década de 1960, e o surgimento das comunidades eclesiais de base, na década de 1970. Só posteriormente que se passou ao estudo nas paróquias e dioceses, independentemente das liturgias dominicais, com o aumento do desejo das pessoas de conhecer e entender melhor a Bíblia. Essa iniciativa se espalhou rapidamente nas diversas regiões do Brasil e da América Latina, sempre tentando encontrar as relações entre a vida e a Palavra de Deus. Surgiu, então, um interesse crescente pela Bíblia, e muitos textos começaram a ser lidos e comentados pelo povo mais pobre, com a ajuda de agentes de pastoral preparados para isso.
O interesse era de tornar a compreensão dos textos escriturísticos mais próximos das camadas populares, desenvolvendo-se um método que acessível às pessoas mais simples. Carlos Mesters foi um dos autores que se tornou conhecido por desenvolver uma metodologia adequada a essa iniciativa. Mesters, nascido na Holanda, veio para o Brasil aos 17 anos (em 1949) junto com os carmelitas e desenvolveu seus estudos filosóficos e teológicos. Em 1978, fundou em Angra dos Reis o Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, entidade que vem promovendo encontros, cursos, publicações e divulgação de subsídios destinados à pastoral bíblica, buscando ao mesmo tempo o aprofundamento do método exegético a partir dos pobres.
Com uma extensa obra, Mesters se destaca pela preocupação com um projeto de leitura global da Bíblia, como é o caso de Leitura Orante da Bíblia, publicado a partir de 1990, depois chamado de Tua Palavra é a Vida. Um itinerário pode ser traçado para o seu método: a) a elaboração de um diagnóstico sobre a falta de adequação entre a proposta dos representantes e agentes da igreja e a mentalidade religiosa popular; b) a escuta e observação atenta das pessoas das camadas populares com suas características e contribuições, com a constatação de uma fé, ainda que não alinhada com a ortodoxia, revelava uma ação do Espírito Santo; c) o desenvolvimento de uma atitude pessoal de aprendiz, fazendo-se “aluno da realidade” e “discípulo dos pobres”, do mesmo modo como antes aprendera a se fazer aluno dos bancos acadêmicos e discípulo da Bíblia e da igreja; d) a simplicidade na relação entre a Bíblia e a própria vida; e) ênfase no fato de que a leitura popular da Bíblia é essencialmente comunitária; f) emprego de um instrumental científico básico, que é o método histórico-crítico, que permite o acesso ao sentido literal e original do texto bíblico; g) a mudança na mentalidade dos pobres a partir da descoberta de que a Bíblia lhes é acessível e de que eles podem ser protagonistas na vivência do Evangelho; h) a fidelidade consciente ao magistério da igreja; i) e o alcance do objetivo principal da leitura, que é interpretar a vida com a ajuda da Bíblia.
O método é baseado em um triângulo, no qual o autor faz notar que há um pré-texto (realidade) e um contexto (comunidade de fé) que determinam o “lugar” de onde se lê e interpreta o texto. Desse lugar é que surge o “novo olhar” com que o povo lê a Bíblia hoje na América Latina. O novo sujeito hermenêutico são as pequenas comunidades de fé, que leem a Bíblia buscando uma resposta para sua vida e para o sofrimento cotidiano. Elas constituem o que ele chama de “contexto” em que a Bíblia é lida de tal maneira que faz soar a mensagem do Espírito para a igreja de hoje. O cristão atua como sujeito que lê as Escrituras, qualquer que seja o seu lugar social, cuja tendência é projetar sobre o texto não só a luz da fé, mas também aquela que vem da realidade na qual está inserido. É ele intérprete como sujeito histórico, com uma leitura condicionada por uma compreensão prévia, que surge do seu contexto vital, de pobreza e luta, conflito e esperança que o caracteriza. Faz com que se reconheçam em certos episódios e personagens bíblicos, tornando desta maneira o texto do passado algo vivo e interpelador ou estimulante no presente.
O método empregado por Mesters se assemelha à proposta “Ver – Julgar – Agir”, da Ação Católica, e retoma ao mesmo tempo os passos da Lectio Divina. Sua forma simples de aplicação nos círculos bíblicos, no entanto, vem despertando novas perspectivas, sobretudo com o avanço tecnológico e a globalização. Aspectos como os de gênero e que os que contemplam pessoas que sofrem discriminação são levados também em consideração nas propostas de leitura popular da Bíblia. Além disso, o crescente problema da violência nos contextos urbanos exige novas iniciativas de ler a Bíblia a partir do contexto vital.
Até mesmo a definição do que vem a ser pobre deve incluir não só os desprovidos de bens e serviços, mas também todos os pecadores e destituídos de esperança. O que se pode chamar de novo pobre é vítima de um sistema muitas vezes injusto e violento, dando margem a preconceitos e moralismos.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Como lidar com o dinheiro/ How to deal with the money? / ¿Cómo lidiar con el dinero?

A relação com o dinheiro é uma área que todos temos problemas. Ainda não aprendemos a melhor maneira de lidar com esse recurso que a sociedade desenvolveu para regular as relações econômicas entre as pessoas.
De um modo geral, o imaginário criou alguns personagens que tipificam bem a maneira como as pessoas se relacionam com o dinheiro: o avarento, o pródigo, o ganancioso, o aproveitador.
Isso acontece porque vivemos numa sociedade que substituiu os laços de afinidade antigos pelas relações impessoais. O dinheiro é o meio que estabelece novos vínculos entre as pessoas. Lidar com ele demanda uma nova inteligência, que ponha de lado a demonização da riqueza e do poder monetário que se estabeleceu desde o começo da Modernidade, para dar lugar a uma construção de relacionamentos em que o dinheiro possa ser considerado como ele realmente é: um medidor das diferenças qualitativas entre as coisas e as pessoas, como um agente libertador dos indivíduos da tutela do estado, da igreja, da família e da sociedade.
Assista ao vídeo que editei com imanges produzidas pela HistoryChannel para a série Os Sete Pecados Capitais, episódio A Avareza.


Avareza - Como lidar com o dinheiro
Enviado por Irenio. - Explore mais vídeos sobre vida em família.

sábado, 4 de dezembro de 2010

O cristianismo ainda é relevante? / Christianity still relevant? / ¿El cristianismo sigue siendo relevante?

A questão sobre a relevância do cristianismo para a sociedade contemporânea é uma tema pertinente, principalmente em se tratando da perda de significado da fé cristã para uma sociedade que aprendeu a viver sem Deus e a encontrar caminhos sem a ajuda da religião. Porém, essa não é uma questão bem resolvida para o mundo. Ainda está em aberto a pergunta pelo sentido e busca de significado para a vida. É nessa lacuna que se encontram três livros cujas leituras apontam uma linha de abordagem sobre a fé, que visa entender como a humanidade, sobretudo o Ocidente, chegou a esse estado de coisas.
O primeiro é o livro de Paul Veyne, Como o Ocidente se tornou cristão, que trata do início da cristandade – à época de Constantino – e suas implicações para a formação de uma relação de poder com a sociedade, mostrando, com isso, que a construção de uma estrutura e de uma institucionalização do cristianismo foi um fato histórico de grande relevância, resultante de um conjunto de fatores que acabaram por permitira a consolidação do cristianismo como religião. A pergunta que fica é: a cultura Ocidental tem raízes cristãs? A resposta é sim e não. A explicação está na conceituação de individualismo e universalismo. Nesse sentido, o cristianismo é uma religião de individualidade que está aberto ao universo. Por ser uma religião proselitista, o cristianismo foi engendrado a partir de uma paixão de seus primeiros seguidores e apóstolos pela pessoa de Jesus, de origem judaica, o que criou uma religião que deixou de ser étnica. O cristianismo não se constitui como um sistema político ou social, mas um modo de se compreender o sentido da vida que ainda subsiste numa Europa secularizada sob a forma de uma identidade cultural. As origens dessa mentalidade ocidental (e europeia) contemporânea está muito mais no surgimento da Modernidade (séculos XVII e XVIII) – com Espinosa e Kant – do que nas ideias de generosidade e benevolência trazidas pelo cristianismo. Na verdade, a religião cristã preparou o terreno para um mundo que foi secularizado, no qual a religião se constitui um dos fatores que interferem nas mudanças. Como diz o autor, não foi fruto de um germe, mas o resultado de uma epigênese.
O segundo é o livro de Jean Delumeau, que procura abordar o modo como o Ocidente perdeu a sua paixão pelo cristianismo, por causa de um discurso de culpabilização, centrado no pecado e no medo, que resultou em uma teologia que se tornou distanciada da graça. Em A história do medo no Ocidente, a investigação encadeada por Delumeau segue alguns caminhos bem definidos. O primeiro aborda os medos espontâneos, provocados pelas situações caóticas pelas quais a sociedade ocidental e europeia passava, como pestes, guerras e até o Grande Cisma, que podem ser classificados como permanentes e cíclicos. O segundo vai tratar dos medos causados pelas imposições da igreja, que veio a provocar um abalo em todas as formas de representação da época, em todas as camadas sociais, substituindo o estresse dos problemas por um medo teológico. O terceiro caminho que surge diz respeito aos modos como se encontrou saída para essa dominação, dado à capacidade humana de encontrar formas de superação, de correção de rumos e de reinvenção dos itinerários em função dos obstáculos encontrados.
Em O pecado e o medo – o terceiro livro –, Delumeau está preocupado com o modo como o medo se consumou no quadro do pessimismo europeu se caracterizou como um medo de si mesmo, com uma expressão voltada para o desprezo do mundo e a desvalorização do homem. Esse é um assunto que envolve a consciência cristã desde o século IV. A doutrina do desprezo do mundo (contemptus mundi) foi dominada pela concepção dualista que distingue corpo e alma, carne e espírito, terra e céu, multiplicidade e unidade, exterioridade e interioridade, tempo e eternidade, procurando estabelecer um vínculo entre a transitoriedade da vida e a necessidade de se aproveitar bem as oportunidades. O homem é visto como suscetível à desgraça e era necessário se fazer algo para que a vida ganhasse novo sentido, dentro dos limites de compreensão do prazer e do esvaziamento interior. As breves alegrias deste mundo apontam para sofrimentos eternos. Isso desperta um sentimento de que a vida terrena é um exílio e o melhor a se fazer é desenvolver o ideal monástico, marcado pelo ódio ao corpo e ao mundo, a evidência do pecado e a fuga do tempo.
O tema da fuga do mundo (fuga mundi) apontava para uma culpabilização e para uma ética que se destinava a uma vida marcada pela mística e pelo ideal asceta. A preocupação era com o fato de que a desgraça está em toda a parte e nada é mais perigoso do que uma vida tranquila. A característica comum é o incitamento do ódio de si mesmo e a mortificação das paixões. Essa ênfase, tomará uma nova forma com a Reforma Protestante, notadamente nas obras de Calvino. Para ele, o mundo é sempre mau, mesmo naquilo em que ele pode ser melhor. O próprio espírito do homem é mau por causa da queda, e não há nada que se possa fazer para torná-lo bom, nem mesmo a fuga do mundo. Ou seja, o mal está por todo lado, dentro e fora do sujeito, tanto na vida solitária quanto na sociedade. É o desprezo de si que desperta a necessidade de entregar-se a Deus.
Delumeau assegura que o tema do medo e do pecado são ambíguos: eles comportam tanto a possibilidade de uma atitude transformadora, como também desencorajadora. O problema é que o discurso do medo no ocidente foi construído sobre a interpretação equivocada de textos mal compreendidos. Alguns aspectos são de destaque: esse discurso faz parte de uma ética monástica que acabou por ser direcionado para as multidões; foi na Renascença que se deu essa tendência, o que demonstra que o Humanismo pode não ter sido tão otimista quanto parece; o medo esteve mais presente nas elites e os mais santos. Essa preocupação revelou uma teologia que falou mais do pecado que da graça, mais de um Deus juiz e condenador do que de misericórdia e compaixão. A questão final levantada por Delumeau é pertinente: não seria essa a razão da descristianização do Ocidente?
A descoberta resultante dessas leituras é um tanto estarrecedora, mas também promissora. De uma lado, aponta para a responsabilidade dos cristãos. De outra, aponta caminhos para uma reflexão e um diálogo em busca de mudanças.

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