quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Superando as barreiras para a liderança autêntica / Overcoming barriers to authentic leadership / Superar los obstáculos para el auténtico liderazgo

O conceito de líder autêntico tem sido associado ao perfil estabelecido pelo mundo corporativo para aqueles que influenciam o mercado produtivo. São pessoas que, mesmo que não possuam as marcas que tradicionalmente são atribuídas ao líder, sabem aprender com suas próprias experiências a partir de uma reflexão realista de sua condição pessoal e encarar corajosamente suas próprias contradições. O líder autêntico se dá conta de suas limitações e as enfrentas na busca de superação.
A tentação de Jesus pode ser vista como exercício de superação das barreiras que impedem a liderança autêntica ou, dito de outro modo, a nossa afirmação como pessoa. As maiores barreiras estão relacionadas à própria condição de sujeito do desejo, que comporta tanto a inclinação para o erro e o equívoco como a aspiração de realização e de afirmação de si. Isso tem a ver com o fato de que há obstáculos que todo líder enfrenta: o desejo de ter; o desejo de poder e o desejo de aprovação. São desejos legítimos, mas que se inserem na dimensão da ambiguidade que caracteriza a nossa própria humanização.
A tentação de Jesus se dá em três modos visando um só fato: a realização do desejo não na acolhida do cuidado e do propósito de Deus, mas na realização humana. A tentação do líder implica a realização do desejo de autonomia e de autogoverno, de ser autossuficiente. Isso afeta líderes em todas as esferas da ação humana, inclusive as relacionadas à fé. Note o que Lucas diz: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo diabo [...]” (Lucas 4.1-2). Líderes cristãos também podem ser tentados e isso não tem nada a ver com moralismo.
A tentação de Jesus revela o ambiente para a tentação: nossas carências. Revela também a força da tentação: nossos desejos. O objetivo é nos afastar do caminho do serviço e da solidariedade. Depois de passar pelo deserto por quarenta dias, Jesus teve fome. Não há nada de errado em ser tentado. O problema está na maneira como se constrói um caminho para a solução dos problemas. A pergunta, então, é: como superar as barreiras para o exercício de uma liderança autêntica?
Em primeiro lugar, superando o desejo de ter. A primeira tentação de Jesus lembra o engano da capacidade de realização humana. É a tentação de ter o poder que Deus tem. “Se você é o Filho de Deus, mande que essas pedras se transformem em pão.” Lucas 4.3. Ter é uma armadilha. Comporta a ambição e a ostentação. Jesus foi tentado a criar mecanismos para se apoderar do divino. A ideia é de se tentar manipular Deus através da magia e da alienação.
Em segundo lugar, superando o desejo de poder. A segunda tentação envolve o engano das manipulações humanas. É a tentação de usar o poder de Deus para fins próprios. Satanás mostrou a Jesus todos os domínios do mundo e disse: “Eu lhe darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se você me adorar, tudo será seu.” Lucas 4.6-7. Jesus foi tentado com a crença de que o homem é um sujeito autônomo, a fazer aquilo que Deus faz. A ideia é de ser como Deus, através da projeção infantil de um Deus paternalista que atende a todos os nossos desejos, bastando pedir do modo certo.
Em terceiro lugar, superando o desejo de reconhecimento. A terceira tentação lembra o engano das aparências, inclusive religiosas, baseadas em critérios de retribuição e merecimento. A tentação de ser Deus. A Bíblia diz que Satanás levou Jesus até Jerusalém, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: “Se você é o Filho de Deus, jogue-se daqui para baixo. Pois está escrito: ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, para lhe guardarem’, com as mãos eles os segurarão, para que você não tropece em alguma pedra.” Lucas 4.9-11. Jesus foi tentado a colocar Deus à prova. Ele foi induzido a crer que a razão humana tem o controle de tudo como se nele mesmo, enquanto humano, houvesse a capacidade de exercer decisões sobre o futuro. A ideia é de se substituir Deus na vida, através da ilusão de ter todo o controle e de se exercer o poder dominador.
O quadro da tentação de Jesus nos ajuda a compreender as dimensões da liderança autêntica, principalmente no que diz respeito ao exercício do ministério: a) ele é humano: se realiza em meio ao desejo e ao deserto; b) ele é divino: se realiza em meio ao cuidado divino e ao assédio do diabo. A tentação de Jesus é representativa da tentação humana de realização de seus desejos através de meios próprios e não na acolhida da graça na vida.
Jesus torna-se o paradigma da escolha que precisa ser feita. Ele realiza o seu ministério em meio à fragilidade humana e a confiança no cuidado divino. O evangelho de Lucas diz que Jesus saiu do lugar da tentação e foi para a Galileia, onde iniciou seu ministério “no poder do Espírito”. Sua primeira mensagem na sinagoga de Nazaré lembrou a profecia de Isaías 61:“O Espírito do Senhor está sobre mim...” (Lucas 4.18)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ética para uma liderança autêntica / ethics for authentic leadership / ética para el auténtico liderazgo

O caminho para a construção de uma liderança autêntica passa pela formação do caráter do líder. A lógica que rege o mundo corporativo distancia aqueles que exercem liderança dos processos de nossa própria humanização. Não é raro encontrar metáforas que exemplificam essa realidade: liderar com mãos de ferro, ser uma coluna firme, ter pés de boi. As virtudes mais valorizadas, que conduzem ao sucesso, são: coragem, inovação e superação, como se fossem conquistas isoladas da complexidade humana. Tudo isso é legítimo, mas nada disso acontece se a personalidade do sujeito não sofrer um longo, e muitas vezes penoso, processo de construção.
Deus sabe disso. Ele conhece o ser humano melhor do que qualquer um de nós. Afinal, ele nos criou e se fez um de nós. Uma das narrativas bíblicas que serve para exemplificar isso é o processo de construção da personalidade de Elias como profeta. Ela se encontra em 1 Reis 7-19. Elias é o protótipo do líder para hoje. Sua experiência levanta a questão da ambiguidade que envolve o exercício da liderança, principalmente no que diz respeito à atividade pastoral e profética. O processo pelo qual Elias é formado como um líder para o seu tempo é marcado através de sua trajetória que passa por alguns lugares que são simbólicos: Querite, Serepta, Carmelo e Horebe. A partir de cada um desses lugares, é possível levantar questões que têm a ver com a ambiguidade da liderança.
A primeira delas é: a quem você serve? Querite, então se apresenta como o lugar de luta diante da ambiguidade que envolve a liderança: o exercício do poder e a fragilidade humana. Naquele primeiro momento, Elias quis ser reconhecido como representante de um Deus melhor que Baal. Deus não é um deus melhor, mas diferente. Essa diferença é revelada pela ação de seus servos. Para enfrentar a oposição diante do poder de Baal e do rei Acabe, Elias precisou passar pelo retiro de Querite, onde foi cuidado por Deus durante um período de seca.
A segunda questão é: como você serve? Serepta apresenta-se como o lugar do encontro com a fragilidade humana. A ambiguidade está na confrontação das situações concretas vividas. Elias sai do seu retiro e se depara com situações reais vividas pelas pessoas simples. Nada é mais frágil que uma viúva desamparada e um menino morto. A verdadeira missão do líder se afirma diante desse quadro: revelar o Deus amoroso, não o Deus Todo Poderoso. Elias deveria agir como servidor do Deus da vida. O Deus diferente de Baal se revela diante de situações reais vividas por gente comum, diante de situações cotidianas, a fim de despertar conversão e fé.
A terceira questão é: o que você faz? Carmelo se torna o lugar de atitude, de tomada de decisões corajosas. A ambiguidade está na possibilidade de exercício do poder, tanto para dominação como para revelação do amor de Deus. Elias é tentado a não agradar a Deus, mas ao povo. Está claro que o objetivo é conduzir o povo a Deus. Mas, para isso, pode servir-se de uma estrutura de poder e de mecanismos de violência. A experiência do Carmelo é emocionante: põe Deus à prova e o obriga a se manifestar. Com a vitória sobre os profetas de Baal, Elias é percebido como aquele que tem o controle sobre Deus e sobre o tempo. Passa a ser servido pelo rei. Dois personagens são importantes nessa história: Obadias, aquele que age em nome de Deus salvando os que permaneceram fiéis ao Senhor, e Jezabel, uma inimiga mortal disposta a matar todos os que fossem fiéis ao Senhor. No primeiro está o exemplo de alguém que luta em nome de Deus, no segundo está a oposição. O exemplo de Obadias estimula a ação, mas a ameaça de Jezabel o devolve a sua fraqueza.
A quarta questão, então, é: por que você serve? Horebe é finalmente o lugar de estar diante de Deus despojado de toda a ilusão do poder. É resultado de uma oração de fracasso de Elias em 1 Reis 19.4, que revela disposição de entrega e reconhecimento de quem é. A grandeza do ministério profético de Elias não está no Carmelo, mas em Horebe. Elias pode agora deixar Deus ser Deus e ele mesmo ser o que é, um profeta. Horebe traz a ambiguidade a respeito de Deus: o verdadeiro Deus de bondade age no meio da suavidade. A teofania é fundadora da diferença entre Deus e Baal: o Senhor não está nas projeções que fazemos dele, como o vento tempestuoso, o tremor da terra ou o fogo, mas na brisa suave. Diante da descoberta de quem Deus é, descobrem-se também novas linhas de ação: o lugar do profeta não é Horebe, mas no meio do povo.
No processo de humanização do exercício da liderança, a trajetória de Elias representa a diversidade em que o líder pode se encontrar. Em cada uma delas, um perfil de líder pode ser formado. Entretanto, quando estamos diante da realidade da liderança cristã para um tempo como este, é somente em Horebe que a liderança pode se fazer autêntica.

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