domingo, 7 de junho de 2015

Transições e deslocamentos / Transitions and dislocations / Las transiciones y dislocaciones

Viver é fazer transições. Fazemos transições o tempo todo: da infância para a adolescência, da adolescência para a juventude, da juventude para a maturidade, da maturidade para a velhice.
Algumas transições são socialmente marcadas: de solteiro para casado, de estudante para profissional, de estranho para amigo, de indiferente para comprometido, de isolado para quem possui pertença, de excluído para incluído. O contrário dessas travessias socialmente marcadas também pode acontecer.
Outras transições são espiritualmente marcadas: de descrente para crente, de observador a seguidor, de quem conhece de ouvir falar a testemunha. E essas transições dificilmente oferecem um caminho seguro de volta. Pelo menos, não há como voltar ou desistir dessas transições e continuar o mesmo.
E há aquelas transições solitárias, que exigem exercícios dolorosos de mudança interior, como as que afetam nossa vida emocional: de apaixonado a desiludido ou perdido de amor, de convencido a incompreendido ou valorizado, de ofendido a quem perdoa ou alimenta mágoas, do anonimato à exclusão ou tornar-se celebridade. São transições que doem por exigirem escolhas tanto nossas quanto de outros.
Fazer transições é fazer deslocamentos, é deixar de ser o que é para assumir aquilo que está se tornando. Isso é parte de nossa condição humana. Para nos humanizarmos, precisamos fazer ajustes constantes, dar passos em direção a um ideal, assumir o risco das muitas travessias. Como disse Guimarães Rosa, em Grandes Sertões: Veredas: “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”
Nem mesmo Deus escapou das transições para se tornar humano: esvaziou-se, abriu mão de sua glória, o eterno se fez história, o pensado encarnou-se, o distante tornou-se próximo. Jesus Cristo é a revelação do Deus que se desloca na direção do humano. Sua vida e mensagem são um convite a assumirmos nossas próprias travessias para nos tornarmos aquilo que ele gostaria que fôssemos como um pai amoroso e criador genial que é.
Dentre as muitas histórias que a Bíblia relata de pessoas que experimentaram transições e deslocamentos, encontra-se a do êxodo do povo hebreu desde o Egito até a terra prometida. Chegar a Canaã não foi fácil, exigiu vários deslocamentos e transições. Fazer a travessia até a terra da promessa não significava simplesmente seguir uma estrada que, orientada por um guia normal, demandaria três ou quatro dias. A travessia durou quarenta anos pelo deserto, com idas e vindas, perdas e ganhos, vitórias e derrotas, companheirismo e traições, dúvidas e esperanças.
O livro de Êxodo serve como metáfora para compreender nossos próprios deslocamentos. As muitas transições que o povo precisou fazer para chegar até a terra “que mana leite e mel” funcionam como arquétipos de nossas próprias transições. Entendê-las é construir um caminho novo para se alcançar uma vida mais humana.

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