“Fiel é Deus, o
qual os chamou à comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor.” 1 Coríntios 1.9
A pergunta que quero deixar como orientação para está série de
reflexões é: se fôssemos os últimos cristãos da história, que legado a igreja
de hoje deixaria? Qual seria a contribuição mais significativa para as pessoas
de nosso tempo? Tomemos como princípio o fato de que a igreja primitiva de
Corinto é o arquétipo para a igreja de hoje. As condições de vida em sociedade,
as dificuldades de relacionamento entre os cristãos, os problemas de
compreensão da fé e até os conflitos entre princípios de liderança lembram bem
algumas das situações vividas pela igreja na contemporaneidade.
Paulo endereça sua primeira carta aos coríntios da seguinte maneira:
“à igreja de Deus que está em Corinto [...]” (1 Coríntios 1.2). A ideia é de
que a igreja não pertence ao lugar, mas que se encontra ali presente, com uma
missão específica. Paulo tinha uma visão missionária. A igreja é aquela
instituição que está situada em um lugar, mas com sua visão voltada para o
mundo.
Corinto era uma cidade grega importante estrategicamente. Era uma
metrópole, um centro de irradiação política, econômica e intelectual. Por causa
de sua localização, tornou-se um importante centro comercial, com dois portos
que atendiam toda a Europa, Ásia e Norte da África. Era também um importante
centro cultural. Ali tanto estavam presentes os valores elementares da cultura
greco-romana, com seus lugares de adoração, reflexão e produção de saberes,
como também tinha uma convivência harmoniosa com as diversas expressões
culturais dos povos com quem se relacionavam. Corinto atraía gente do mundo
inteiro que ali se relacionavam, interagiam e compartilhavam suas experiências.
A igreja em Corinto foi organizada pelo apóstolo Paulo em sua
segunda viagem missionária, logo após sua saída de Atenas (Atos 18). Juntamente
com Áquila e Priscila, Paulo anunciou o Evangelho aos coríntios. A eles se
juntaram Silas e Timóteo, logo depois. Dali, Paulo partiu para Éfeso,
retornando assim a Jerusalém. Há poucos relatos sobre a vida da igreja de
Corinto, mas sabe-se que, de Éfeso, Paulo enviou Apolo para lá com uma carta de
recomendação.
À essa igreja, Paulo destinou pelo menos quatro cartas, das quais
conhecemos apenas duas, que são as que fazem parte do cânon do Novo Testamento.
Até mesmo a que chamamos de Primeira Carta aos Coríntios na verdade foi a
segunda. Houve uma anterior que suscitou diversos questionamentos e problemas, os
quais foram enviados a Paulo sob a forma de perguntas.
No final do século I, Clemente de Roma, considerado o quarto bispo de
Roma, escreve uma carta aos coríntios, na qual se dirige da seguinte forma: “A
Igreja de Deus estabelecida transitoriamente em Roma à Igreja de Deus
estabelecida transitoriamente em Corinto [...]”. O termo grego empregado para
se referir à igreja como uma comunidade “estabelecida transitoriamente” é paroikia que, no Novo Testamento –
especialmente em 1 Pedro –, quer dizer “em peregrinação”. Lembra que a condição
da igreja está mais para a de um estrangeiro ou alguém no exílio, do que alguém
que pertence ao lugar como um cidadão.
Clemente de
Roma recomenda a que os cristãos de Corinto leiam novamente a primeira carta
que Paulo havia escrito. Os problemas enfrentados por aquela igreja havia
repercutido em todas as demais igrejas do Ocidente. “Uma vergonha, meus caros,
uma vergonha muito grande e indigna de uma conduta em Cristo ouvir-se que a igreja
dos coríntios, tão inabalável e antiga, se rebele contra os presbíteros por
causa de uma ou duas pessoas” (47.6), disse Clemente de Roma.
O tempo exerce
um domínio sobre a vida. As relações podem se tornar cristalizadas, conceitos
podem ser esvaziados, valores podem ser mudados e até palavras podem mudar
sentido. Atualizar a linguagem, rever os conceitos e valores e até desenvolver
novas relações passam, então, a serem exercícios permanentes para quem deseja
ser relevante para seu tempo, para quem tem uma mensagem a ser proclamada e
para quem deseja exercitar uma dinâmica de vida contextualizada, que faça
sentido para hoje.
Para se tornar
uma igreja relevante para este tempo, a igreja precisa sair da defensiva para
exercer uma postura mais criativa historicamente. Isso implica que precisamos
abandonar o que nos prende a um passado do qual ainda temos saudade, para nos
voltarmos para as necessidades atuais.
A igreja de
hoje tem sido marcada por tendências que remontam a um estilo de vida mais
rural que urbano, a uma moralidade mais medieval que pós-moderna e a um
discurso mais apologético que comunicativo. Esta realidade reafirma uma relação
dualista, que divide o mundo em profano e sagrado, aqui e além, dentro e fora,
incluído e excluído. Essa característica provoca toda forma de distorção, quer
seja no campo teológico-doutrinal, quer seja no campo litúrgico ou mesmo nas
relações morais.
A igreja para
hoje, no entanto, precisa ser identificada como a comunidade daqueles que são
chamados para a comunhão com Jesus Cristo. Precisa assumir o fato de que é a
nova humanidade formada por aqueles em quem Jesus Cristo toma forma e se faz
presente na história. Os cristãos para hoje são aqueles que tornam a mensagem e
a vida de Jesus compreensível para os que vivem conosco neste tempo. E essa
deve ser a nossa missão.
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