domingo, 28 de fevereiro de 2016

A lição do filho / The lesson of son / La lección del hijo

Meu filho, não se esqueça da minha lei [...]” Provérbios 3.1
O Antigo Testamento tem uma lei que julgo ser das mais cruéis em toda a história da humanidade. Em Deuteronômio 21.18 a 21 diz textualmente:
Se um homem tiver um filho obstinado e rebelde que não obedece a seu pai nem à sua mãe e não os escuta quando o disciplinam, o pai e a mãe o levarão aos líderes da sua comunidade, à porta da cidade, e dirão aos líderes: ‘Este nosso filho é obstinado e rebelde. Não nos obedece! É devasso e vive bêbado’. Então todos os homens da cidade o apedrejarão até à morte. Eliminem o mal do meio de vocês. Todo o Israel saberá disso e temerá.”
Por causa da crueldade do ato, muitas pessoas usam esse texto para justificar o quanto é absurdo usar a Bíblia de forma literal para orientar a vida. Outros usam esse texto para reforçar o seu argumento de que a Bíblia promove a intolerância e a violência. Já vi até quem use esse texto para justificar o uso da força para a educação dos filhos.
Em que pese o horror que o texto impõe, não consta na Bíblia nenhuma narrativa em que algum pai tenha aplicado essa norma. Filhos desobedientes, rebeldes, contumazes, devassos e beberrões sempre existiram, mas a Bíblia não conta nenhuma história de algum pai ou mãe que tenha intentado contra a vida de seu filho desse modo. Ainda bem. Desconfiaria de um texto sagrado que exige de forma incondicional tal atrocidade e teria raiva de um deus que permite tal coisa.
Não. A Bíblia não instrui pais a serem violentos com seus filhos. Antes, ela conta histórias de pais que, apesar de uma lei com tanto rigor, amaram seus filhos, mesmo rebeldes, até o fim. Se a educação de um filho não se baseia no amor, no exemplo e no cuidado, não é a agressão que vai corrigir o problema.
E não me venha com a história da “vara da disciplina” de Provérbios para justificar a violência contra os filhos. Se um pai não sabe disciplinar os filhos em amor, não tem o direito de usá-la. E um pai que deseja educar os seus filhos em amor descobrirá formas mais criativas de fazê-lo. Pena que só pude entender isso depois que meus filhos estavam crescidos. Teria poupado a eles de muitos constrangimentos.
A Bíblia conta a história de Abraão e Isaque. Deus havia pedido que o pai sacrificasse o filho. E o pai se dispôs a obedecer. Imagino a angústia daquele pai ao levar o seu filho para o holocausto. O choro por dentro dando cada passo em direção ao local da imolação. E imagino também o alívio ao sentir a mão que o sustentou quando ia colocar em prática aquele estranho ritual.
A Bíblia também conta a história de Davi e seu filho Absalão. Aquele sim foi um filho contumaz, rebelde, devasso e beberrão. Tornou-se inimigo do próprio pai. Merecia ser apedrejado até a morte. Mas Davi não colocou a lei em prática. Quando deu ordens para atacar o exército revoltoso liderado pelo filho, pediu que poupasse a vida dele. E quando soube que Absalão tinha sido morto na batalha, Davi berrou seu nome desesperadamente, lamentando amargamente sua morte.
Somente um pai, em toda a Bíblia, foi capaz de suportar a dor de enviar seu filho conscientemente para o caminho da morte. Ao contrário do que manda a tal lei, esse filho se submeteu a isso em plena obediência. A Bíblia diz que era como um cordeiro indo para o matadouro. Essa é a história da nossa salvação, em que o Pai da misericórdia envia seu único filho para resgatar-nos de nossa perdição.
Não. Deus não mandou seu filho para morrer em meu lugar. Deus enviou seu filho para viver em meu lugar. Deus não queria uma vítima para aplacar a sua ira por causa do meu pecado. O desobediente éramos nós. Era eu mesmo. Quem precisa ser corrigido sou eu. Deus mandou seu filho para cuidar de mim, para mostrar para mim o que é viver de acordo com os propósitos divinos, para me ensinar o caminho para Deus do qual eu me perdi.

O problema é que Jesus viveu de um modo que não tinha outro jeito, a não ser a cruz. Ele foi condenado e crucificado porque obedeceu a ordem do Pai de buscar e alcançar tudo que havia se perdido. A cruz é resultado da rejeição à mensagem e à proposta de vida de Jesus. Essa é a lição do filho: para me apontar o caminho da vida, Deus enviou seu único filho. A lição do filho lembra a mim o amor do pai.

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