Quando se trata de Reino de Deus, a primeira pergunta que está
implícita neste tema é: quem é Deus para que precise de um Reino? Esta pergunta
está muito próxima ao tema que norteou o pensamento de Santo Agostinho: “quem
és tu para mim e quem sou eu para ti, Deus meu?” A resposta não pode ser
resultado de uma mera racionalização, mas resultado de uma aspiração, de uma
escuta e de uma espera. Afinal, somente Deus pode falar bem de si mesmo, assim
como somente Deus sabe quem somos.
Em princípio, Deus não é um
objeto ou um ser palpável que se possa analisar a ponto de termos uma definição
científica de sua existência. Não se pode deixar de levar em consideração que o
ser próprio de Deus supera toda a capacidade humana de intelectualização e que,
por isso mesmo, toda representação de Deus torna-se sem sentido, assim como
toda tentativa de uma definição categórica de Deus demonstrou-se historicamente
ineficaz.
Mas ao mesmo tempo a forma com
que Deus se revela e se doa aniquila todas as expressões de representação e se
mostra tão próximo. É partir desse paradoxo que se pode falar que, embora Deus
não possa ser concebido dentro dos limites da razão, é possível ter uma
experiência com Ele. Entretanto, não se trata de uma experiência direta e imediata,
mas sempre mediada por nossas estruturas humanas de percepção e de linguagem.
Se procurarmos uma definição de
Deus, vamos ter que começar a construir uma conceituação a partir da nossa
própria experiência de relacionamento com Ele. Para nos aproximarmos de Deus, é
preciso, no mínimo, crer que Ele existe (Hebreus 11.6). A partir de um
pressuposto de fé, vamos reconhecer que Deus é uma pessoa com a qual podemos
nos comunicar e da qual não podemos fugir de sua presença (Salmos 139.1-7).
Como pessoa, Ele criou e sustenta todas as coisas, existe independente da
vontade humana e age sem impedimento algum (Isaías 43.13). Nós podemos
compreendê-lo através de dois aspectos de sua natureza: a sua imanência e a sua
transcendência. A imanência é a presença ativa de Deus dentro da criação e a
transcendência diz respeito à ação de Deus para além da natureza. Como afirma
Isaías 55.8-9, Deus não se limita aos nossos pensamentos, capacidades e
conhecimentos. Ou, como diz Jeremias 23.23-24, Deus pode estar tão perto de nós,
mas ao mesmo tempo enchendo todo o céu e toda a terra.
Por causa de sua imanência, o
agir de Deus não se restringe à ação direta para que seus objetivos sejam
alcançados. Ele pode usar pessoas e recursos naturais, independente de serem
consagrados a Deus ou não (João 15.16 e 1 Coríntios 1.27-28). Afinal, tudo o
que Deus criou é bom e serve para a consumação de seu propósito (Gênesis 1.31;
1 Timóteo 4.4).
Entretanto, a transcendência de
Deus nos mostra que há algo mais elevado que a conceituação humana e que, de
maneira alguma, se pode definir uma ideia completa do que Deus é. Deus não está
limitado à nossa capacidade de compreensão. Ele existe, nos ama e age
independente de crermos ou não. Isso é verdade em relação a sua santidade,
bondade, conhecimento e poder. São os atributos e qualidades permanentes e
inseparáveis do seu ser. É por isso que dizemos que Deus é santo, justo, bom,
amoroso, onipotente, onisciente, onipresente, eterno e imutável. Esses
atributos nos dão a ideia clara da grandeza e da bondade de Deus (Jeremias
32.17-19).
Indagar pelo Deus do Reino também
envolve o aspecto trinitário da revelação de Deus. Por meio de Jesus Cristo, o
próprio Deus cria as condições de se relacionar conosco, de viver a nossa vida,
de se auto-humilhar, de assumir a morte na cruz, de vencer a morte na
ressurreição e de ser glorificado. Essa relação se torna possível pela mediação
do Espírito Santo, que se move em função do sofrimento e da aflição do ser
humano.
A pergunta por Deus não é só uma questão teológica. Ela é humana e
está presente em todos os aspectos ligados ao conhecimento. Antes de pensar em
Deus, somos capazes de invocá-lo; antes de falar a respeito dele, somos capazes
de falar com Ele. E fazemos isso porque temos, como pessoas, uma abertura que
nos impulsiona à invocação, à gratidão e à adoração diante do que está além de
nossa compreensão como expressões essenciais de nós mesmos.
O mais importante, porém, não é o fato de sermos capazes de invocar ou
buscar a Deus, mas é saber se Deus está a procura da gente. Por causa dessa
inquietante dúvida é que desenvolvemos a capacidade de falar sobre Ele, a fim
de identificar sua vontade, de ouvir sua voz, de cultivar a percepção sua
presença e de acolher seu amor.
Um dos mais influentes teólogos contemporâneos, Jürgen Moltmann,
afirmou em seu livro A fonte da vida que “a
experiência de Deus não reduz as experiências da vida, mas as aprofunda, pois
desperta o sim incondicional à vida”. Ele continua dizendo que, “quanto mais
amo a Deus, tanto mais gosto de existir”. Daí decorre o fato de que pensar em
Deus e falar sobre Ele só é possível naquelas circunstâncias em que sua
presença, e até mesmo sua ausência, é percebida em todos os sentidos nos aspectos vivenciais, quer seja nos momentos
felizes, que seja no sofrimento.
Falar sobre Deus será sempre a partir de uma experiência que se dá na
forma de um diálogo. Desse modo, o outro está implicado numa relação, na medida
em que só é possível falar para alguém em quem me vejo refletido e que pode
entender o que digo. Portanto, falar sobre Deus também só é possível a partir
de uma vivência comunitária.
Diríamos, então, que não é Deus que precisa de um Reino. Somos nós que
precisamos de um espaço em que possamos nos sentir acolhidos e amparados num
mundo cercado por divindades e ídolos, que nos ajude a discernir se estamos
inseridos numa relação com o verdadeiro Deus. Uma relação que se inicia com o
chamado que emana de sua palavra, que nos propõe o caminho, e que se desdobra
em nossa resposta de compromisso em relação ao próximo, como missão.
(Artigo publicado na revista Visão Missionária, 2T16)
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