sexta-feira, 24 de junho de 2016

“Brexit”, crise e retrocesso: o mito de Europa revisitado / "Brexit", crisis and regression: Europe myth revisited / "Brexit", Crisis y el retroceso: El nuevo mito de Europa

Na mitologia grega, Europa era uma princesa que, quando estava à beira da praia, sonhando com a liberdade de viajar livremente pelos mares, despertou os desejos de Zeus. Tomado por uma paixão incontrolável e pelo medo dos ciúmes de sua mulher, Zeus se transforma num dócil touro e se oferece à Europa para que ela passeasse sobre seu dorso. Quando a atraiu, Zeus a sequestra para a ilha de Creta, assume a forma humana e lá vive com ela e tem três filhos.
Neste dia histórico de 24 de junho de 2016, a decisão do plebiscito no Reino Unido de romper com a União Europeia reacende o que está por traz do mito: o desejo onipotente de possuir o “velho mundo”, de transformá-lo em um bloco sólido e competitivo. Esse sonho hoje é colocado em risco.
O que está por trás dessa decisão é o avanço da extrema direita nacionalista e a crise que envolve os refugiados, dois problemas graves que perseguem a Europa nestes tempos de crise econômica e de instabilidade mundial. O Reino Unido é o país que mais recebeu imigrantes: mais de meio milhão entre europeus e não europeus. A decisão disfarça a xenofobia, mas também esconde seu real motivo: a crise econômica que afeta a Europa.
As regras de livre circulação afetam a autonomia dos países da UE para barrar a chegada de refugiados. Isso sobrecarrega os programas sociais, de educação e de saúde, além de diminuir a oportunidade de empregos para os nacionais. Porém, é bom lembrar que a maior parte das exportações britânicas se destinam à União Europeia. Essa relação econômica é que gera muitos empregos e renda para o Reino Unido. Além disso, o crescimento dos atentados terroristas na Europa – sobretudo na França e na Bélgica – despertam preocupações com a segurança interna e a defesa de interesses com relação à política externa na luta contra o terror.
O que esperar disso? Além do fim da centralização das políticas econômicas, do fim da livre circulação de pessoas e da revisão dos vistos de permanência dos imigrantes, é possível prever que aconteça um efeito cascata, com o aumento de número de países em que partidos de extrema direita vão forçar para que se adote o mesmo procedimento britânico, o que revelaria um sentimento anti-europa unida latente. É possível prever também o retrocesso na política externa dos países que formam o bloco europeu, relembrando os critérios que marcaram os períodos em que foram deflagradas a Primeira e a Segunda Guerra mundiais e a guerra fria.
Como afirmou a revista britânica The Economist, o plebiscito revelou um Reino “desunido”, uma Grã-Bretanha nem tão grande assim. O que se espera é uma economia menos vibrante, com menos emprego, menos receita e mais austeridade. Uma vez que aquilo que era impensável há um ano atrás tornou-se uma realidade, a Europa e a Inglaterra caminham em direção ao desconhecido.
O sonho de uma Europa unida fracassou. Embora o parlamento europeu e países como Alemanha, França e Itália defendam uma retomada das negociações sobre o fortalecimento da União Europeia, a decisão britânica vai exigir uma revisão de práticas econômicas na zona do Euro e a reorientação das políticas internas, com a repactuação e a reformulação do tratado Europeu.
Hoje é a Europa que desperta de sua paixão pelo sonho de onipotência. Isso é um sinal de alerta para outros blocos políticos e econômicos, principalmente os que o Brasil toma parte: o Mercosul e os Brics. Com a União Europeia fragilizada, o mundo tornou-se mais vulnerável. As rápidas transformações pelas quais a humanidade passa exigem o fim das ilusões. Quem está em crise de fato é o capitalismo mundial, com sua preocupação em concentrar renda e aumentar o controle das formas de produção da riqueza. A Europa está desiludida e junto com ela o capitalismo que inventou.

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