sábado, 29 de outubro de 2016

Legado protestante: celebração dos 499 anos da Reforma / Protestant legacy / Herencia protestante

O conceito de igreja protestante se refere às denominações que se originaram da Reforma Protestante, seja diretamente ou como consequência do movimento iniciado por Martinho Lutero. O protestantismo, enquanto movimento de transformação da igreja no Ocidente, se deu em um contexto de mudança radical pelo qual passava a cultura ocidental com o fim da Idade Média e o início da Modernidade.
A Reforma Protestante aconteceu em 1517, na Alemanha, como uma reação a algumas doutrinas e práticas do cristianismo ocidental, representado pelo catolicismo romano. Em 31 de outubro daquele ano, Martinho Lutero fixou 95 teses na porta da capela do castelo de Wittenberg para convocar pessoas interessadas em discutir temas relativos à salvação, especialmente com respeito a práticas de indulgência e penitência.
Lutero teve a intenção clara de empreender a reforma da igreja, suas ações e seu discurso indicavam isso. Afinal a instituição de seu tempo não era um bom exemplo para o próprio cristianismo, dominada por um apego extremo ao dinheiro e ao poder. Isso quer dizer que a igreja de sua época era tomada por toda sorte de corrupção e problemas morais.
A essência do pensamento protestante encontra-se na definição que engloba cinco pontos fundamentais: “sola fide, sola scriptura, solus Christus, sola gratia, soli deo gloria”, expressões em latim para afirmar aquilo que caracterizava o movimento. O propósito era afirmar a natureza da igreja como realizadora da missão de Deus no mundo.
Embora as muitas denominações protestantes que existem hoje possam divergir em aspectos doutrinais, litúrgicos e até morais, as igrejas desse segmento cristão carregam consigo um legado comum, que consiste em três pontos fundamentais. São eles:
Sacerdócio universal de todos os crentes – a ênfase do protestantismo não está no clero, mas no chamado missionário que cada crente possui. Ele propõe uma valorização da vida em comunhão.
A autoridade das Escrituras – a fonte de orientação da fé protestante é a interpretação das Escrituras, que se dá de forma livre e por mediação do Espírito Santo. Ele propõe um retorno à Bíblia.
Justificação somente pela graça – a salvação não depende de ações humanas, mas tão somente da graça revelada em Jesus Cristo, que apresenta a todos perante Deus justificados de todo pecado. Ele propõe uma nova perspectiva salvífica.
Entretanto, o que há de mais comum na fé protestante, e que remete a um diálogo com as diferentes expressões cristãs, é o reconhecimento de que a misericórdia divina alcançou a humanidade e é o que desperta a mensagem que a igreja tem a comunicar para os dias atuais.
Ser protestante é ser um cristão que não se deixa limitar por formas predefinidas estabelecidas por entidades religiosas. Trata-se de uma espiritualidade que se dá para além do templo, para além do domingo e para além do clero. Que se realiza através de uma pastoral voltada para os mais vulneráveis e uma atuação missional diante das necessidades do mundo.
Há um lema da Reforma que tem sido muito lembrado, que é: “uma igreja reformada sempre se reformando”. Esse lema nos remete à situação de tensão em que se dá a atuação cristã no mundo. Ao mesmo tempo em que não dá para engessar formas e modelos, não dá para abrir mão do essencial da mensagem do evangelho. Ao mesmo tempo em que é preciso repensar as circunstâncias históricas e culturais de expressão da fé, é preciso também reconstruir um discurso que dialogue com a contemporaneidade.
Enfim, ao chegar ao seu quinto centenário, a Reforma Protestante tem muito a comemorar, como também tem muito a se questionar. Penso que não será possível fazer isso apenas no âmbito das denominações protestantes, embora não possa acontecer sem o engajamento delas. Penso que isso demanda um diálogo franco e aberto, na esfera pública, a fim de que se possa encontrar caminhos para que a fé cristã se torne relevante num mundo secularizado.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Deus ludens / God plays / Un Dios que juega

“... dia a dia eu era o seu prazer e me alegrava continuamente com a sua presença” (Provérbios 8.30)
Tomás de Aquino disse certa vez que Deus brinca, que ele cria brincando. A ideia de um Deus ludens, que brinca, que é bem-humorado, que cria brincando, remete a uma concepção de mundo que desperta a noção de que também devemos encarar a realidade pelo viés de uma brincadeira, com bom humor. O lúdico comporta uma compreensão do mistério e nos confronta com a realidade que Deus vê como uma brincadeira.
O aspecto lúdico do cuidado de Deus com a criação serve como um contraponto diante dos argumentos que reforçam a racionalidade do logos. A racionalidade não é apenas lógica, ela é também lúdica. O lógico e o lúdico se complementam e se realizam no agir criador de Deus.
O racional e o lúdico estão presentes na criação de tal modo que a natureza não é só logos, nem é só ludens, mas está marcada por uma logicidade atravessada por bom humor e mistério. A ideia do Deus faber, que cria como um artesão, se completa com a imagem do Deus ludens. Deus não faz uma obra por necessidade. Ele cria por prazer.
A natureza está permeada pelo lúdico e, por conseguinte, marcada pelo mistério, que se mostra como indecifrável e o imponderável. A tradição cristã já se referia à natureza da criação como resultado de uma inteligência divina, criadora e transformadora. Gregório de Nazianzo, em 390, chegou a afirmar que o Logos sublime brinca. Enfeita com as mais variegadas imagens e por puro gosto e por todos os modos o cosmos inteiro”.
Isso não nega a tese de Albert Einstein, para quem “Deus não joga dados com o Universo”. Ele brinca. O salmista diz: Quantas são as tuas obras, Senhor! Fizeste todas elas com sabedoria! A terra está cheia de seres que criaste. Eis o mar, imenso e vasto. Nele vivem inúmeras criaturas, seres vivos, pequenos e grandes. Nele passam os navios, e também o Leviatã, que formaste para com ele brincar” (Salmos 104.24-26).
A criação inteira é dotada de uma capacidade para se recriar e se reinventar que é chamada de liberdade, e isso também vale para o ser humano. As narrativas da criação demonstram que, antes de criar o homem, Deus dá forma ao mundo a fim de que este acolha o humano, numa relação de parceria e de organização que se realiza através de um devir criativo que caracteriza a existência. O universo provoca a que o humano não se limite a uma representação, mas que assuma sua própria mundanidade como seu modo próprio de ser.
O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, não é um mero trabalhador que gerencia a terra ou um espectador da exuberância da natureza, mas é convidado a tomar parte dela e a construir sua existência na realidade do mundo criado. Como diria o místico mestre Eckhart, se somos criados por um “rir contagiante” somos também motivados a louvar ao criador com criatividade e alegria.
A encarnação de Deus em Cristo é o auge desse jogo da vida, através do qual Deus quer tomar parte da história do mundo, em que o eterno se faz temporal, em que o celestial se faz mundano, em que o onipotente assume a morte, a fim de que a criação tenha oportunidade de redenção, em exercício de liberdade. Um Deus que se esvazia para se tornar aquilo que não é.
Por isso o salmista canta: Regozijem-se os céus e exulte a terra! Ressoe o mar e tudo o que nele existe! Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta, cantem diante do Senhor, porque ele vem, vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, com a sua fidelidade!” (Salmos 96.11-13). E a sabedoria em Provérbios fala de como Deus se alegra com a alegria de suas criaturas: “... dia a dia eu era o seu prazer e me alegrava continuamente com a sua presença” (Provérbios 8.30).
Tomás Aquino afirmou, por isso, que “o brincar é necessário para levar a vida humana”. Ser bem-humorado, conviver com mais riso, cultivar o lúdico e fazer piada da vida são atitudes que proporcionam uma nova visão do mundo. Há muita gente séria que está morrendo por falta de humor. A sabedoria que se alegra com o Deus ludens também diz: “Eu me alegrava com o mundo que ele criou, e a humanidade me dava alegria” (Provérbios 8.31).
Brincadeira para Deus é coisa séria. Ele é alegria do começo ao fim. Parafraseando Nietzsche, o criador leva a brincadeira a sério porque leva a sério a si mesmo. Fernando Pessoa falou, com o pseudônimo de Alberto Caeiro, do seu menino Jesus, a Eterna Criança: Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. / Ele é o humano que é natural, / Ele é o divino que sorri e que brinca. / E por isso é que eu sei com toda a certeza / Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. Um menino assim tão humano só poderia ser divino, acrescenta ele. Rubem Alves disse que Deus vê o universo como uma caixa de brinquedos. E arrematou: “Deus vê o mundo com os olhos de uma criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar”. Ainda bem. Isso quer dizer que o mundo ainda tem jeito.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Dez mandamentos para hoje / Ten Commandments for today / Diez mandamientos para hoy

O que hoje lhes estou ordenando não é difícil fazer, nem está além do seu alcance.” Deuteronômio 30.11
Os dez mandamentos são o mais antigo conjunto de preceitos morais em vigor da humanidade. Eles foram revelados (sim, eu considero o saber revelado como válido) a Moisés, o grande líder hebreu, que libertou seu povo de um longo cativeiro no Egito e o conduziu a Palestina, chamada de Canaã, a terra da promessa divina. Esse conjunto de leis serviu de regra geral para manter o povo unido durante o êxodo, como também em toda a sua formação histórica.
Eles foram recebidos como um presente divino cerca de 1.450 anos antes de Cristo. A Bíblia diz que a entrega dos dez mandamentos se deu no Monte Sinai, eles estavam gravados em tábuas de pedra. Eles são uma síntese de todas prescrições do Antigo Testamento e servem de fundamento para a moral judaica e cristã no mundo inteiro. E mais, sua observância é fonte de vida e o descumprimento de apenas um deles significa uma transgressão de todos demais.
Jesus é um exemplo de quem aplicou os mandamentos divinos à vida. Ele mesmo disse que não veio “abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir” (Mateus 5.17). Ele pediu para que o jovem rico observasse os mandamentos para que experimentasse uma vida plena. Ele disse também que obedecer aos mandamentos é a prova de amor que ele espera de todos as pessoas: Quem tem os meus mandamentos e lhes obedece, esse é o que me ama [...]” (João 14.21).
O cristianismo buscou uma fórmula para a aplicação dos mandamentos divinos à vida. Com base no ensino de Jesus, a igreja entendeu que toda a lei se resume na prática do amor. O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da lei” (Romanos 13.10), disse Paulo.
O decálogo, como eles também são chamados, encontra-se no livro de Êxodo 20.2-17, mas a sua divisão em dez preceitos tal como conhecemos no catecismo cristão atual foi elaborada por Santo Agostinho, no século IV. Mas eles não são mandamentos religiosos simplesmente, pois tratam de atitudes e valores que fazem parte da cultura de toda a humanidade.
Os dez mandamentos apontam para a nossa imperfeição e nos convidam a um esforço para colocar em prática princípios de vida em nossa relação com Deus e com o próximo. É através de sua aplicação à vida que podemos estabelecer um juízo sobre nós mesmos se estamos agindo corretamente ou não. Eles são, de fato, os “dez mais” da vida bem-sucedida.
Veja como eles se encontram na Bíblia:
1.         Não terás outros deuses diante de Mim.
2.         Não farás para ti imagem de escultura.
3.         Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.
4.         Lembra-te do dia de sábado para o santificar.
5.         Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os seus dias na Terra.
6.         Não matarás.
7.         Não adulterarás.
8.         Não furtarás.
9.         Não dirás falso testemunho.
10.     Não cobiçarás a casa ou a mulher do teu próximo.
O grande problema é que vivemos em uma época que passa por uma transformação moral sem precedentes. Alguns argumentam que nosso tempo é marcado por um relativismo moral. Porém, o que a pós-modernidade tem feito é suspeitar dos valores morais tradicionais e questioná-los à luz de um novo paradigma moral, que é o individualismo voltado para a busca do prazer ao extremo.
A sociedade contemporânea, dominada por uma pluralidade de valores e pela secularização, não aceita mais os dez mandamentos como princípios absolutos. Para cada um de seus preceitos, há uma série de argumentos que põe em questão sua validade e há também uma série de alternativas para o seu não cumprimento. E isso se dá até mesmo em meio àquelas pessoas que assumem um compromisso religioso.
A pós-modernidade não se caracteriza pelo fim da moralidade, mas é um tempo em que as pessoas lançam dúvidas sobre os padrões morais que vigoraram até então e buscam um novo sentido para a vida. Por essa razão, fico pensando acerca de quais outros princípios e valores poderiam mobilizar as pessoas em torno de uma moral que faça sentido para hoje.
Acredito mesmo que precisamos de um novo decálogo para hoje. Segue, então, uma sugestão de novos mandamentos para a pós-modernidade:
  1. Não farás da tua crença uma arma.
  2. Não desprezarás a espiritualidade do teu próximo.
  3. Lembra-te da compaixão, ela é o que te faz humano.
  4. Não explorarás o trabalho do teu próximo.
  5. Não desprezarás a família, seja qual o formato que ela tenha.
  6. Não terás preconceitos diante de ti.
  7. Não ostentarás.
  8. Não serás ganancioso.
  9. Não te envolvas em corrupção.
  10. Cuide da natureza para que a próxima geração tenha direito às mesmas condições de vida que você recebeu.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Mística e angústia em Kierkegaard / Mysticism and anguish in Kierkegaard / La mística y la angustia de Kierkegaard

A pergunta que se pode fazer de início é: existe uma mística protestante? A resposta comporta duas possibilidades: sim, na medida em que a experiência proposta pelo protestantismo consiste em uma relação de interioridade entre a pessoa e o indivíduo; nem tanto, na medida em que Lutero não é um pensador associado à mística, mas a própria reforma protestante comporta uma série de experiências místicas como se pode ver em Jacob Boehme, o pietismo a partir do final do século XVII, dos movimentos avivalistas ingleses e até do pentecostalismo no começo do século XX.
Dentre essas possibilidades da mística no pensamento reformado, é preciso levar em consideração a contribuição de Soren Kierkegaard. Em seu pensamento, o tema da angústia, e por conseguinte também do desespero, perpassa não só suas obras, mas também sua própria vida. Por essa razão podemos até afirmar que Kierkegaard é um místico da angústia. Para ele, a angústia tanto é gerada pelo pecado original como também é o último estado psicológico que dá origem ao pecado. E é nessa medida em que ele pode ser considerado como um pensador que interessa à mística. Em certo sentido, há em sua abordagem uma aproximação entre misticismo e antropologia visto que a relação com o divino não se dá por meio de um êxtase ou mesmo de um recolhimento, mas de uma busca que visa o fortalecimento do homem interior.
Soren Kierkegaard afirmou que “o homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade”. Se buscarmos compreender essa frase à luz da proposta de Juan M. Velasco, em El fenomeno místico, poderíamos afirmar que Kierkegaard se refere ao fenômeno que envolve a mística. Para Velasco, a mística é a “experiência no mais íntimo da pessoa de uma realidade sobre-humana”. Ou seja, vai além do que se percebe na vida comum e que se faz presente através de uma série de manifestações que a convertem em fato histórico e humano. Isso tem a ver com transcendência. A frase de Kierkegaard aponta para o fato de que há uma angustia humana pela busca de algo que está para além de nós mesmos. É o que se chama de transcendência. Não importa, neste momento, se esta busca tem a ver com o divino. O que é relevante pensar é que a transcendência é um fenômeno humano que engloba um campo de percepção.
De um modo geral, o pensamento de Kierkegaard experimentou duas fases, nas quais se pode verificar diferentes modos de se tratar a mística. Uma primeira que é fortemente marcada por seu anti-hegelianismo e o idealismo alemão, em que a temática da angústia aflora dando margem a uma mística especulativa. A existência humana não pode se deixar limitar por uma conceituação racional. Quando Sartre analisa a relação entre os dois pensadores, afirma que a diferença está na maneira de se estabelecer uma crítica do saber e na delimitação do seu alcance. Um segundo momento é marcado por suas próprias inquietações pessoais diante do paradoxo da experiência religiosa. Ele, então, elabora, uma reflexão a respeito das circunstâncias concretas e históricas em que a religião se dá. A sua preocupação principal estará voltada para o conhecimento de si e para a relação com a verdade. Nessa fase, a leitura de autores místicos se torna fundamental.
No que diz respeito à experiência mística, Kierkegaard está mais voltado para a intimidade do pensamento cristão com a vida e com os aspectos éticos que estão implicados em uma vida autenticamente cristã. A grande ousadia do cristão é ser o que é de fato diante de Deus. E isso passa por uma construção de si como imitação de Cristo, que é o modelo da singularidade humana e da existência. É, portanto, uma mística arraigada à existência, visto que a angústia e o desespero estão vinculadas visceralmente à vivência humana: a pessoa angustiada tende a voltar-se para uma interioridade e, nessa experiência, tende a encontrar Deus.
A finalidade da vida humana é procurar uma constante autossignificação e reafirmar permanentemente uma identidade de si. Trata-se de uma experiência de subjetividade que reivindica sua individualidade, mas que por isso mesmo pode se tornar causa de erros e equívocos. Mas também a pessoa pode escolher buscar viver como um herói, que procura oferecer o melhor de si. Essa busca comporta uma luta contra Deus que se dá por meio da fraqueza. Para tanto, a fé se torna um paradoxo, pois comporta o risco de equivocar-se, mas que ao mesmo tempo oferece o sentido para vida. Na vivência da fé, o indivíduo encontra-se numa relação absoluta com o absoluto.

Toda essa inquietação do pensador dinamarquês é exposta em uma intensa produção literária. Em seu diário, ele chegou a afirmar que sua vida foi produzir. Disse também que não passou um dia sequer sem escrever ao menos uma linha. Sua obra não só é vasta em termos quantitativos, mas também comporta uma variedade de estilos e de ideias. A coletânea de seus escritos foi elaborada em algumas etapas: a primeira, composta de 14 volumes de obras propriamente ditas, publicadas de 1920 a 1926; a segunda, com 20 volumes de papéis, publicada de 1909 a 1948, e a terceira consistiu em um volume de cartas publicado em 1953.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O que os evangelhos têm a nos dizer sobre quem é Jesus / What the Gospels tell us about who Jesus / Lo que nos dicen los Evangelios acerca de quién es Jesús

Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome.” João 20.31
Quem foi Jesus? Talvez ele seja a figura mais controversa de toda a história da humanidade. Historicamente, ele foi um judeu considerado herege por sua gente e uma ameaça ao poder romano que controlava a Palestina de seu tempo. O problema é que, além de uma pessoa com esse currículo, muita gente acredita que ele também é Deus.
O fato é que o nome “Jesus” mexe com o imaginário do mundo inteiro e é possível falar até de uma construção histórica de como sua imagem se tornou como a de um herói que tem resistido a dois mil anos de história e tem alcançado o mundo inteiro.
Suas primeiras testemunhas levaram um tempo para reunir suas narrativas em obras que pudessem testificar quem ele foi de fato. Os primeiros escritos, que eram coleções de pequenos relatos de seus feitos milagrosos e de breves ensinos que ele deixou, só apareceram cerca de 15 anos após sua morte na cruz.
Os evangelhos foram escritos usando fontes variadas, algumas orais e outras escritas em pequenos fragmentos. Eram pequenos textos que circulavam entre os primeiros cristãos com relatos de milagres de Jesus, aforismos que Jesus ensinou e até citações do Antigo Testamento que lembravam profecias acerca do Messias que haveria de vir. Lucas explicou que fez uma detalhada busca dessas fontes e as juntou para que servissem de orientação para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas” (Lucas 1.4). João também declarou que havia muitos desses relatos, mas que reuniu alguns para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome” (João 20.31).
Os evangelhos, nome que essas coletâneas receberam, não eram biografias propriamente, mas testemunhos sobre as impressões que Jesus causou na vida de quem teve contato com ele. Essa palavra vem do grego que quer dizer “boa notícia” e acabou se tornando um gênero literário que oferece as informações mais precisas e confiáveis que se pode ter sobre Jesus Cristo.
Em Teologia, sempre se procurou apresentar a pessoa de Jesus a partir de duas perspectivas cristológicas: uma ascendente e outra descendente. Uma que fala do Cristo do alto e outra que fala de Jesus de baixo. Uma que remete ao diviníssimo Jesus e outra que busca o humano Jesus. Uma que trata do Cristo da fé e outra que investiga o Jesus da história.
Os evangelistas não estavam preocupados com nenhuma dessas abordagens cristológicas. Aqueles que andaram, comeram e viveram com ele, o viram morrer na cruz, o reconheceram ressurreto e assistiram a sua ascensão estavam certos de que estiveram diante de uma pessoa humana extraordinária, portadora de uma mensagem libertadora e que tinha consciência de seu compromisso autêntico com um domínio que não se limita às ordens que regem uma vida secularizada e terrena. Uma pessoa que apontava para a vida além da vida, para valores que trazem dignidade e esperança para a humanidade e para uma relação com ele que indicava o sentido de viver de forma plena diante de Deus.
Foi necessário a contribuição de quatro seguidores de Jesus para falar sobre ele: dois apóstolos, um pesquisador e um aprendiz. Respectivamente, Mateus e João, Lucas e Marcos. Todos investidos da mesma intenção de oferecer um modo de compreender a vida e a mensagem de Jesus, de comunicar seus ensinos como uma boa notícia a todos e de aplicar os mesmos ensinos às situações da vida.
John Stott entende que, embora sejam quatro evangelistas, eles possuem apenas uma mensagem: a de que um Deus amoroso se compadeceu com a humanidade, encarnou-se como homem e ofereceu salvação através de Jesus Cristo. Isso demonstra que essa graça salvadora pode ser expressa de diferentes modos e ser aplicada a diferentes circunstâncias, mas revela também uma mensagem comum a todas as pessoas em todos os tempos e em todos os lugares.
Há muitas histórias sobre Jesus, algumas muito posteriores ao primeiro século. Os evangelhos canônicos, porém, são os documentos mais confiáveis sobre Jesus. Eles dão conta de que uma pessoa real viveu, agiu e deixou ensinos de forma extraordinária, de tal forma que lê-los hoje é resgatar o seu valor histórico e reencontrar uma mensagem que aponta o caminho de esperança e de transformação para a vida humana.

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