domingo, 8 de outubro de 2017

Sentidos da graça / Senses of grace / Sentidos de la gracia

Porque a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tito 2.11). 
A palavra graça possui uma pluralidade de sentidos. Ela nos remete a um universo de significados que envolve toda a nossa compreensão da realidade que nos cerca, desde a maneira como nos relacionamos com o sagrado até nossas relações com o que menos gostamos.
A maneira como nós a empregamos na língua portuguesa vem do latim gratia, que nos remete a uma atitude de reconhecimento das qualidades do outro, que nos desperta gratidão e apreço. Mas ela também está presente na língua grega, como Charis, que eram as deusas mitológicas do banquete, do encanto, da sorte e da prosperidade. Eram dotadas de beleza e simbolizavam a harmonia e a alegria. Na literatura grega e na arte ocidental em geral, elas sempre foram representadas por três jovens que dançam nuas entre si.
A palavra também está presente no hebraico, tanto como chen quanto hesed. A primeira lembra o transbordamento da bondade divina apesar do pecado humano. Deus abomina o pecado, porém a sua bondade ainda é maior. A primeira vez que ela aparece na Bíblia é em Gênesis 6.8, traduzida muitas vezes como benevolência: A Noé, porém, o Senhor mostrou benevolência. Tem o sentido de curvar-se, o ato de alguém maior ser capaz de se aproximar de alguém menor. A segunda é traduzida costumeiramente como misericórdia, resultado de um sentimento de amor e de fidelidade de Deus para com sua criação.
No uso cotidiano, graça aparece em várias situações:
- como um favor: “por graça”;
- como um ato de bondade: “agiu com graça”;
- como simpatia: “caiu na graça, foi agradável”;
- como elegância: “cheia de graça”;
- como uma qualidade de vida: “estava em estado de graça”;
- como bom humor: “fazer graça”;
- como uma recompensa: “gratificar”;
- como gratidão: “deu graças”;
- como louvor: “rendeu graças”;
- como identidade: “qual é sua graça”;
- como descoberta: “deu o ar da graça”;
- como expressão de poder: “dispensou sua graça”;
- como perdão: “recebeu o indulto”.
Em Filosofia, Agostinho afirma que a graça é o meio pelo qual podemos exercer a nossa liberdade para a escolha do bem. Para ele, o homem não pode conhecer nada sem o auxílio da graça divina. Tomás de Aquino, que escreveu um tratado sobre a graça, disse que ela consiste em um motor para alma, como um princípio para as ações de bondade, que se expressa como uma participação na natureza divina. A graça também foi entendida como uma espécie de beleza, uma concepção estética da relação entre liberdade e necessidade. Friedrich Schiller, no final do século XVIII, a chamou de beleza em movimento, pois é resultante da liberdade. Ela deixa transparecer o caráter moral do homem.
Na Bíblia, a graça é um dom e promove dons. Ela tanto é um presente que Deus nos concede como é também uma capacitação para que possamos partilhar uns com os outros seu amor, bondade e misericórdia. A graça se realiza entre nós como charismata, mais conhecida como dons espirituais. Pedro aconselha a que administremos a graça em seus aspectos multiformes: Cada um exerça o dom que recebeu para servir aos outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (1 Pedro 4.10). A expressão “múltiplas formas” se refere ao universo de cores que existe na natureza. A ideia é de que há uma variedade de possibilidades de agirmos com graça e por graça uns com os outros. Isso nos lembra que Deus ama a diversidade.
Na Teologia, a graça está relacionada à ação divina, ao modo como Deus se manifesta na história e age para poder atrair para si a humanidade perdida. A maior expressão da graça é a revelação de Deus em Cristo. A maneira como Jesus veio ao mundo, viveu, ensinou, se relacionou com pessoas, morreu, foi ressuscitado e recebido na glória é o discurso mais eloquente da graça divina. Para ter acesso à graça divina, nenhuma de nossas obras  sejam elas caridosas ou religiosas – é suficiente. Temos acesso a ela somente pela fé. Essa graça divina é salvadora porque restaura o homem de sua própria perdição. Ela é também libertadora, porque livra o homem da ilusão de ter todo o poder para dar conta de si.
Pensando nisso, Paulo disse certa vez: Mas, pela graça de Deus, sou o que sou, e sua graça para comigo não foi em vão; antes, trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1 Coríntios 15.10).

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