sábado, 7 de abril de 2018

Prisão de Lula: poder e democracia em questão / Lula prison: power and democracy in question / Prisión de Lula: el poder y la democracia en cuestión


Poucas horas depois de o Supremo Tribunal Federal ter negado o pedido de Habeas Corpus impetrado pela defesa, o Tribunal Federal da quarta região autorizou a expedição do mandado de prisão. 22 minutos após, o juiz de primeira instância do Paraná emite a ordem de prisão pondo, assim, em execução um plano que vem sendo tramado no imaginário das elites conservadoras: ver o Presidente Lula preso. Tudo isso aconteceu desde a madrugada do dia 5 de abril de 2018 até meados da tarde do mesmo dia. A ordem de prisão pegou a todos de surpresa, inclusive a própria Polícia Federal e os advogados de defesa, que aguardavam que tal fato viesse a acontecer em até 30 dias devido às possibilidades de recursos que a ação demandava. Lula foi preso no dia 7 de abril de 2018.
A prisão do Presidente da República que teve o maior índice de aprovação em seu mandato e era oriundo das camadas populares e dos movimentos de esquerda se constitui em um ato simbólico que representa bem a realidade política vivida pelo Brasil: a ação das forças oligárquicas e conservadoras da direita contra os movimentos e lideranças que apresentam alguma ameaça ao projeto de perpetuação do poder de uma elite.
Para entender a dimensão simbólica dessa prisão é preciso lançar pelo menos dois olhares para a história: um para o processo de formação de nossa cambaleante democracia, que se orienta a partir de golpes e manobras para atender a interesses da elite dominante; e outro para a trajetória do próprio Lula, desde os tempos em que atuou como líder sindical, posteriormente como deputado constituinte e como o presidente que mais fez pela classe trabalhadora, conduzindo o país a níveis de emprego e de crescimento do PIB otimizados, à oferta de oportunidades de formação para as populações mais carentes, à melhoria da distribuição de renda com a consequente redução da fome e da miséria e a projeção do país no cenário internacional como a potência econômica da América Latina.
Entretanto, a prisão de Lula é cercada por alguns equívocos que são nutridos pela grande mídia e pelos partidos de direita. Um deles é o desejo do fim da impunidade, uma característica dos processos judiciais que protegem o mais rico, uma vez que a lei foi elaborada pelos representantes dessa mesma elite exatamente com esse fim. O outro sentimento é a ideia de que se tem empreendido o maior combate à corrupção na história do país, com ações espetaculares de investigação do ministério público e a prisão de alguns empresários e políticos poderosos. A prisão de Lula não representa o fim da impunidade e muito menos se constitui num combate à corrupção.
Na verdade, a prisão de Lula é uma forma de se reeditar o mito do bode expiatório para atender a um desejo coletivo de vingança sobre o mal maior que afeta a vida social. Transfere-se sobre uma pessoa e um partido a responsabilidade de toda a corrupção que há no país, como se esses tais fossem os criadores de todo o mal da vida nacional, os inimigos do Brasil, que precisam ser execrados da vida pública. Chega-se à ingenuidade de acreditar que, eliminando a figura de uma pessoa e reduzindo a força de um partido, será possível viver um novo tempo na nossa democracia.
Mas essa prisão só aconteceu com a concretização de uma articulação política para evitar que a esquerda volte ao poder nas próximas eleições, retirando da corrida presidencial o candidato mais cotado para vencer nas urnas. O argumento de que ele foi condenado em duas instâncias, em vez de validar a prisão, somente confirma o grau de perseguição implacável empreendida por um segmento do judiciário e pela grande mídia, articulados para dar uma aparência de legalidade ao processo, o que juristas têm denunciado como lawfare.
A partir de análises feitas por juristas conceituados, chega-se à constatação de que: (a) a acusação é inepta, firmada numa delação generosamente premiada de um criminoso, sem que uma prova concreta tenha sido apresentada; (b) o trâmite do processo foi duvidoso, pois não levou em consideração o farto material probatório da defesa; (c) a celeridade em condenar, sobretudo com a ação combinada entre primeira e segunda instâncias, a fim de cumprir um prazo que pudesse interferir no processo eleitoral; (d) as sucessivas negativas de Habeas Corpus nos tribunais superiores, demonstrando o interesse das forças conservadoras de reforçar a mentalidade punitivista que domina setores do judiciário em detrimento da defesa de direitos fundamentais da pessoa humana; (e) a pressa em expedir a ordem de prisão sem o trânsito em julgado mesmo na segunda instância, sem respeitar os prazos recursais; e (f) as manobras de pauta do judiciário para evitar que se aplique o princípio constitucional e da legislação penal de presunção de inocência e da não culpabilidade.
A prisão de Lula é um recado claro para quem ousa desafiar a elite conservadora que atua no país desde os tempos da colonização. O fim dessa história não é bom para a sociedade brasileira. Entretanto, alguém precisa pagar o preço de encarnar a resistência a esse poder centralizador que tem relegado o país ao seu atraso. Dessa vez foi Lula, com um histórico de luta em defesa dos direitos do trabalhador. As elites sabem que, entre os representantes da esquerda atual, não há alguém com tal currículo. E a esquerda sabe que não se encontra capacitada para promover uma frente ampla em favor desse mesmo projeto.
O resultado é que estamos todos vulneráveis e expostos à opressão de quem tem a mão pesada para punir quem lhe ameaça. A prisão de Lula denuncia o fracasso da democracia brasileira, desnuda o grau de injustiça e desigualdade com que os movimentos e lideranças populares são tratados. A judicialidade da prisão é uma farsa cruel para preservar interesses de uma elite dominante.
(Foto de Francisco Proner Ramos).

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